sábado, 28 de agosto de 2004

População revoltada com cheiros da ETAR de Campo

http://jn.sapo.pt/2004/08/28/grande_porto/populacao_revoltada_cheiros_etar_cam.html


protesto Descargas frequentes no rio Ferreira foram também alvo de críticas por parte dos moradores Empresa Águas de Valongo garante minimização dos problemas até ao fim do ano


Cartazes com protestos, segurados por crianças, traduzem os problemas dos moradores de Campo


Inês Schreck

O copo transbordou. Várias dezenas de moradores de Campo, Valongo, juntaram-se, ontem à tarde, à frente da ETAR (estação de tratamento de águas residuais) num protesto contra os maus cheiros e as descargas poluentes no rio Ferreira, que já mataram milhares de peixes. Confrontada pelas queixas dos populares, a Administração da empresa Águas de Valongo, que gere a ETAR de Campo, diz estar consciente de que o "problema é grave", mas garantiu que até ao fim do ano a situação vai melhorar.

A empresa acredita que, em Novembro, os odores deixarão de infernizar a vida dos vizinhos da ETAR, com a cobertura dos contentores de lamas que ainda estão a céu aberto. E as descargas no rio Ferreira serão minimizadas, em breve, com algumas intervenções nos interceptores.

Apesar das garantias, os moradores não ficaram totalmente convencidos. Há mais de quatro anos que aguentam "calados" os cheiros "nauseabundos" provenientes da ETAR. "Queremos abrir as portas e as janelas das nossas casas"; "Basta de maus cheiros", podia ler-se nos cartazes, segurados por crianças da freguesia.

E aos odores incomodativos, soma-se a tristeza de ver a poluição aumentar no rio Ferreira. "A fauna que existia, numa extensão de sete ou oito quilómetros, está toda morta", realçou José Paiva, dirigente da associação ambientalista Terra Viva.

"É um crime ambiental e social", referiu, lembrando que, há alguns anos, aquela zona, classsificada pela Rede Natura 2000, era muito procurada por banhistas e jovens de outros concelhos. "Até lhe chamávamos o nosso Gerês pequenino, mas agora já não existe", recorda um morador.

Para a empresa Águas de Valongo, o problema das infiltrações no rio Ferreira não se resume à ETAR, "que está a funcionar perfeitamente". A razão está, então, na confluência das águas pluviais e residuais na ETAR. "Temos que resolver o problema casa a casa", explicou Denis Farber, administrador da empresa.

Números

35 mil é o número de habitações das freguesias de Campo, Sobrado e Valongo, cujos saneamentos são drenados para a ETAR de Campo. A estação tem capacidade para acolher os esgotos de 57 mil casas.

Localização pode não ser a melhor
A localização geográfica da ETAR de Campo pode não ser a melhor. É que naquela zona a movimentação de águas não é muita, dado o baixo caudal do rio Ferreira. De acordo com Denis Farber, administrador da empresa Águas de Valongo, as causas das infiltrações no rio podem estar relacionadas com aquele problema, pelo que já foi pedida "uma reavaliação do impacto ambiental da ETAR" ao Ministério do Ambiente.

"Estamos em conversações para ver se fazemos um novo estudo e perceber se o caudal do rio aguenta", referiu. Embora minimize a questão, a hipótese da validade do estudo prévio da ETAR de Campo, realizado antes da sua construção, pelos SMAS, fica posta em questão pelo responsável.
A Águas de Valongo gere também a ETAR de Ermesinde que, à semelhança da de Campo, já motivou protestos dos moradores pelos maus cheiros que emite.

domingo, 22 de agosto de 2004

Viagem às profundezas do inferno romano

http://jn.sapo.pt/2004/08/22/grande_porto/viagem_profundez_do_inferno_romano.html

À descoberta Minas de ouro do Parque Paleozóico de Valongo são acessíveis ao público com visitas guiadas

Ojipe avança devagar sobre o estradão maltratado pelas últimas chuvas. Da janela, escondidos na vegetação, avistam-se vários buracos escavados no solo. É ali que se pára. Estamos no acesso a uma mina com milhares de anos, repleta de histórias e lendas do tempo dos romanos. À volta estão outras, algumas com 70 metros de profundidade. Foram perfuradas à mão por escravos em busca de filões de ouro. Muitas continuam por desvendar. Mas algumas podem ser visitadas pelo público numa viagem às profundezas do subsolo, a pouco mais de vinte minutos do Porto, no Parque Paleozóico de Valongo, em plenas serras de Santa Justa e Pias.

À entrada, as pingas de água que brilham nas paredes deixam adivinhar um ambiente húmido. A luz escasseia à medida que os corredores vão ficando mais estreitos. Ao primeiro reflexo da lanterna do capacete sobressaem pequenas cavidades na rocha, onde eram colocadas lamparinas para iluminar a passagem dos trabalhadores. As explorações de ouro nos fojos das serras de Santa Justa e Pias terminaram no reinado de D. João III. Actualmente, as extracções, feitas com recurso ao cianeto e mercúrio, são totalmente proibidas pelos prejuízos ambientais que provocam.

A descida torna-se mais íngreme e a escuridão parece não ter fim. Eis senão quando, no primeiro patamar do fojo dos Pombos, a 50 metros de profundidade, o céu volta a ser visível. Uma enorme fenda, decorada por espécies vegetais raras, surge abruptamente rasgada no meio da rocha. O silêncio sepulcral é entrecortado pelo barulho de uma queda de água. O nosso olhar de espanto perante a beleza do cenário não surpreende Paulo Campos, membro do Clube de Montanhismo Alto Relevo. "É incrível, não é?", comenta. "Diz-se que estas eram as maiores minas do Império Romano", conta, enquanto avança pelos labirínticos caminhos e escadas que conduzem sempre a novos espaços, salas e galerias.

A noção de localização já está perdida há muito. Quase desde a entrada no fojo. E é por isso que o Alto Relevo, empenhado na preservação e na investigação científica do Parque Paleozóico de Valongo, tem vindo a fazer um levantamento topográfico do interior do subsolo. "Trata-se de ver o que está lá em baixo e desenhá-lo", explica Augusto Monteiro, presidente do clube.

Mas só mesmo as ligações entre as galerias podem ser desenhadas. Porque não há mão que trace com pormenor a riqueza interior dos fojos de Santa Justa. A dezenas de metros de profundidade, as rochas, até agora cinzentonas, ganham cores garridas. Vermelhos, verdes, azuis misturados, como num arco-íris que nunca viu o sol. "Mais para baixo ainda são mais bonitas", realça Paulo. Mas para ir mais abaixo é necessária preparação física e habilidade nas técnicas de rappel e escalada.

O buraco mais profundo até agora conhecido no Parque Paleozóico de Valongo tem cerca de 75 metros na vertical, ou seja, o equivalente a um prédio de 15 andares. Outros há com galerias de 200 metros de comprimento. O fojo das Pombas, o único acessível ao público, é constituído por seis minas, "provavelmente ligadas entre si", mas só podem ser percorridas com guias especializados.

As visitas àqueles "infernos clássicos" podem ser solicitadas no posto de turismo da Câmara de Valongo ou no Centro de Interpretação Ambiental (CIA), à entrada da serra de Santa Justa.