segunda-feira, 9 de abril de 2007

ECOPONTO DA LIPOR JÁ NÃO RECEBE ENTULHO E AS PESSOAS DESPEJAM LIXO NAS ENCOSTAS

http://jn.sapo.pt/2007/04/09/porto/aventura_domina_serras.html

Aventura domina serras


Aventureiros exploram as minas da serra de Santa Justa, em Valongo, escavadas há cerca de dois mil anos pelos romanos para retirar ouro


Augusto Correia, Leonel de Castro

A história, com contornos de lenda, tem todos os traços de portugalidade. Conta-se que, das minas da serra de Santa Justa, em Valongo, saiu o ouro usado pelos romanos para pagar aos legionários que mandaram na Lusitânia. Cerca de dois mil anos depois, os tesouros do maior pulmão verde da Área Metropolitana do Porto (AMP) estão também à face da terra: a pé, de moto, com duas ou quatro rodas, centenas de pessoas aventuram-se nas serras de Santa Justa e de Pias.

Uma mancha verde que a Câmara Municipal de Valongo quer mais virada para o turismo ecológico e científico. Os desportos motorizados podem ter um fim à vista na Serra de Santa Justa. "Como técnica, considero que, antes de proibir, é preciso pensar em disciplinar", diz Clara Poças, directora do Departamento de Ambiente da Câmara. "É preciso reduzir ao número de veículos, mas, se calhar, haverá espaço para um percurso de todo o terreno na serra, mas é preferível que passem para outros locais".

Poços desconhecidos

A prática dos desportos motorizados comporta risco para aventureiros das caminhadas e das pedaladas, cujas pistas se cruzam, e para todos os que desconhecem ou desrespeitam o perigo que representam os poços, fojos e outros buracos. Ninguém sabe ao certo quantos são, mas fala-se em centenas, com funduras entre oito e oitenta metros.

"Se não sair dos trilhos, não há problema", diz Vítor Gandra, presidente do Alto Relevo, associação de desportos de montanha e espeleologia. "Ao tapar os poços, estaríamos a matar o ecossistema"; morcegos aprisionados, três espécies de fetos classificados à míngua de luz e a salamandra lusitana protegida sem saída. "Isto é muito perigoso", contrapõe Pedro Gomes, bombeiro da equipa de salvamento dos Voluntários de Valongo, durante um treino da equipa de resgate, na Serra de Santa Justa. "Quem vier de fora para praticar desportos radicais, sujeita-se", acrescenta Nuno Dias, adjunto do comando.

Sujeita-se a cair numa das covas de escoamento de águas das antigas minas. Nos fojos das Pombas e da Valéria, adquiridos pela Câmara, e num ou noutro em terreno particular, uma carreira de esteios entrelaçada por duas fiadas de arame sinalizam a possibilidade de queda no abismo. Os desguarnecidos preenchem outro sinónimo de fojo cova funda com abertura disfarçada, para apanhar animais ferozes.

"São propriedade privada e temos tido muitas dificuldades em convencer os proprietários a vedá-los", argumentou Clara Poças. "Temos uma equipa de sapadores florestais na serra, todos os dias, que faz sinalização dos poços e alguma limpeza", disse.

"Na serra de Pias, os buracos são resultantes das explorações de lousa e a responsabilidade deve ser das pedreiras", argumentou Clara Poças. Num desses buracos, a Polícia Judiciária (PJ) encontrou, em Março, o cadáver de um homem alegadamente assassinado. Na operação de resgate, foram recuperadas várias carcaças de cães deixados para morrer afogados na imundície do fundo de um poço."Na Serra de Santa Justa, era impossível estar um corpo tanto tempo sem ser encontrado. Anda sempre cá alguém", diz Francisco Rocha, espeleólogo do Alto Relevo. "As actividades desportivas têm crescido imenso nos últimos anos".

O Instituto de Conservação da Natureza deu já parecer positivo ao projecto de criação de Paisagem Protegida para Santa Justa, apresentado em 2003. Agora que há acordo de princípio com as câmaras de Paredes e de Gondomar, é uma questão de tempo até que o pulmão da AMP tenha um suporte legal abrangente. "É essencial avançar com um projecto de gestão para disciplinar, regular e regulamentar a utilização da serra", diz Clara Poças.

Ao abrigo da Paisagem Protegida, a Câmara de Valongo pode combater a monocultura de eucaliptos, agir junto dos privados e interferir a favor da limpeza e protecção dos fojos. Ganha armas para atacar o problema do lixo. O ecoponto já não aceita entulhos, porque a Lipor deixou de ter capacidade de os tratar. Quem os produzir, tem de levá-los aos aterros e pagar as taxas. À falta de alternativa graciosa, o lixo acaba nos poços. "Não é a perspectiva que queremos valorizar", diz Francisco Rocha, depois de uma descida ao centro da terra. Dos bolsos tira uma tampa de uma tomada eléctrica, um pedaço de plástico e um resto de algodão que resgatou do Fojo das Valérias.

A tentação dos fojos das Pombas e da Valéria

O Fojo das Pombas é o mais desejado pelos espeleólogos. Está fechado a explorações e só os bombeiros lá podem entrar, por conta e risco. "Quase todos os meses rebentam o cadeado", conta Nuno Dias. A fama vem de longe e muitos aventureiros não se ficam perante um portão fechado a cadeado. O fojo tem 80 metros de fundo, galerias várias e uma entrada de escadas escavadas a pulso no xisto negro, há oito séculos.


O Fojo das Valérias, também comprado pela Câmara de Valongo, está protegido por esteios ligados a arame, fáceis de passar. Cerca de quatro metros de mina escavada na rocha, passada de cócoras ou a rastejar, abrem-se para a caverna. A descida não é difícil, mas cuidadosa. Lá em baixo, a vista, do escuro para a luz, é de cortar a respiração. Marcas, a vermelho, assinalam possíveis veios de ouro por explorar. Estudos estimam que haja, ainda, 18 toneladas de metal precioso em Santa Justa, mas o que luz no fundo das Valérias é um espelho de água. Um lago de acesso cuidado é ouro para os praticantes do espeleomergulho.

Corporação treina

salvamentos nos fojos

A vítima de fingimento finge o que pode, para que o salvamento de faz de conta sirva de treino para um caso sério. "Qual a melhor saída, pela direita ou pela esquerda do ferido?" À pergunta o socorrista, responde António Soares, que coordena este exercício da equipa de resgate dos Bombeiros de Valongo "Pela esquerda."

Pedro Silva, o ferido de ocasião, revela a tentação de sair pelo próprio pé. Mas o exercício ainda não terminou. A vítima volta para a borda do fojo, braços descaídos, já com a posição do cabo ajustada a um salvamento capaz de içar o ferido sem que toque nas paredes do buraco. Salvo, e são no caso, ficaria numa maca.

"Este é um tipo de salvamento que se pode fazer quando a vítima está consciente e sem ferimentos que obriguem a imobilizá-la". Casos de aventureiros que descem aos poços, à corda, mas a quem falta o pulso no regresso. São resgatados, içados do buraco por um sistema de cordas e roldanas.

Nos casos em que há traumatismos que obrigam a imobilizar a vítima, os bombeiros recorrem a um tripé, colocado sobre a boca do poço. Descem uma maca, na horizontal, posição em que sobe, já com a vítima. Se o ferido está numa das minas, o salvamento pode ser feito a pé, pelas galerias de escoamento de água. "Falta-nos uma maca específica, mais curta, mais maleável, capaz de passar onde passa um homem", explica João Carvalho. Alérgico às alturas, enfermeiro de profissão, ignorou as vertigens para fazer parte do grupo de resgate. "Como elemento com uma função mais diferenciada, fazia sentido ser o primeiro a descer", diz.

"Para nós, é uma mais-valia", argumenta Nuno Dias, adjunto do comando dos Voluntários de Valongo. Para as potenciais vítimas, o ideal seria ter "protocolos com entidades médicas". Os bombeiros estão dispostos a ajudar no treino, de forma a que a vítima possa ser assistida no fundo de um poço por um médico, antes de ser resgatada.

A necessidade dos outros aguçou o engenho dos bombeiros de Valongo. Em Maio de 2004, já com alguns salvamentos, a custo e com material para desenrascar, criaram a unidade de resgate. Os primeiros 10 elementos fizeram formação na Escola Nacional de Bombeiros. Outros 11 juntaram-se ao grupo, no final de 2006. A equipa treina duas vezes por semana e está preparada para resgatar aventureiros às entranhas da serra de Valongo.

"O crescimento das actividades na serra e a existência de formação na área", motivaram a criação da equipa. Em quase três anos, já resgataram uma vítima do fojo das Pombas; outra de uma mina, em Campo; um cadáver da serra de Pias, em Março; e participaram em três buscas de pessoas desaparecidas. Já investiram cerca de 15 mil euros em equipamento, mas ainda lhes falta de uma maca e uma viatura exclusiva para este serviço.


Pedaladas "monte abaixo"

Na serra de Santa Justa, uma pista de "downhill" cruza perigosamente os trilhos usados por jipes e motos. "Temos conhecimento de que há estruturas associadas, mas desconhecemos se o ICN terá dado autorização, que é necessária", diz Clara Poças. A directora do Ambiente da Câmara de Valongo não sabe por quem ou em que circunstâncias foi feita a pista. Mas, todos os fins-de-semana, centenas de ciclista pedalam "monte abaixo", do alto da serra até à cidade.


Quinta de Rei é alternativa para jipes

Quinta de Rei, serrania a norte de Valongo, é uma alternativa a Santa Justa e Pias para a prática de desportos de aventura. O local é já procurado por centenas de entusiastas do todo-o-terreno, com ou sem motor. Rivalizam com toneladas de entulhos, que crescem a cada dia. "Não podemos recolher resíduos que não temos capacidade de tratar. Não são aceites nos ecopontos, porque a Lipor deixou de os tratar", diz Clara Poças, do Ambiente da Câmara de Valongo

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