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SECÇÃO: Crónicas
A Reserva Ecológica Nacional (REN) constitui, de acordo com o DL93/90 de 19.03, uma estrutura biofísica básica e diversificada que, através do condicionamento à utilização de áreas com características ecológicas específicas, garante a protecção de ecossistemas e a permanência e intensificação dos processos biológicos indispensáveis ao enquadramento equilibrado das actividades humanas. A REN abrange zonas costeiras e ribeirinhas, águas interiores, áreas de infiltração máxima e zonas declivosas, cabendo ao Governo aprovar a integração e exclusão de áreas da REN, onde estão proibidas as acções de iniciativa pública ou privada que se traduzam em operações de loteamento, obras de urbanização, construção de edifícios, obras hidráulicas, vias de comunicação, aterros, escavações e destruição de coberto vegetal.
Embora a legislação actualmente em vigor seja relativamente recente, o Governo anunciou estarem em curso alterações à (REN) com vista a permitir construções em áreas classificadas, “maná” para especuladores imobiliários e autarcas, que de há muito vêm reclamando esta abertura com os mais variados argumentos. Já se sabe, e não se esquece que, segundo o articulado anunciado do novo texto, o que se pretende é permitir aos agricultores poderem construir casas de primeira habitação em áreas classificadas como REN, bem como a possibilidade de se realizarem ampliações de empreendimentos turísticos. As alterações contemplarão outras intervenções hoje proibidas, tais como: instalação de aquaculturas, plantação de olivais, vinha e pomares, abertura de caminhos e implantação de projectos de energias renováveis, actividades que pela sua natureza, não serão causa de interpretação abusiva da letra e do espírito do que venha a ser decretado. O problema há-de surgir no âmbito dos projectos imobiliários.
AS RECEITAS DA ACTIVIDADE IMOBILIÁRIA
É do conhecimento geral o insaciável apetite dos especuladores imobiliários de utilizarem todo o tipo de solos, desde que lhes pareça que do seu uso poderão usufruir fabulosos lucros. E não seremos nós que os condenaremos de lutarem na defesa dos seus interesses, cabendo a outros fazerem o mesmo, quando investidos em funções de autoridade licenciadora. Mas aqui é que a “porca” torce o rabo.
Ainda há dias, entrevistado no programa “Diga Lá, Excelência” o presidente da Câmara Municipal de Viseu e presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), fazia, entre outras, estas duas esclarecedoras declarações: a responsabilidade do desordenamento do território é, antes de mais, do poder central e que, para ele, é estranho que os cidadãos provenientes da sociedade, quando vão para o poder local, se transformam em corruptos. Nesse mesmo programa, Fernando Ruas lembrou que, se os municípios receberem menos dinheiro dos outros impostos, aumenta o peso das receitas provenientes da construção. Outra coisa não diria o Senhor de La Palisse.
Já tivemos oportunidade de lembrar que os autarcas habituaram-se a dispor de elevadas receitas, parte significante delas proveniente da actividade imobiliária, o que lhes proporcionou criar uma máquina administrativa cara e desajustada às reais necessidades dos municípios, cuja praga dos assessores, um verdadeiro escândalo nacional, acaba de ser denunciado pela comunicação social, ao informar que a Câmara de Lisboa tem cerca de cento e sessenta destes “sanguessugas” do erário público, todos eles bem pagos e alguns principescamente remunerados. Este preocupante exemplo dá para perspectivar o que se passará no mundo autárquico, mais ainda quando logo surge o presidente do Executivo alfacinha, com ar de envergonhado, a declarar ser possível reduzir o número de assessores e, consequentemente, atenuar a delapidação dos dinheiros públicos. Se a comunicação social fosse capaz de escrutinar esta situação em todos os 308 municípios, em todos os departamentos e repartições dos governos regionais, ministérios e secretarias do poder central, institutos e empresas públicas, incluindo as municipais, talvez que os visados não resistissem à pressão da opinião pública e eliminassem muita das despesas que não tem que ser suportada pelos impostos dos contribuintes. Se houver que encontrar quem deva pagar esta chaga nacional, que sejam as quotas dos militantes dos respectivos partidos, e não os cidadãos que vêem parte significativa do produto do seu trabalho encaminhado para as tesourarias públicas.
Uma outra observação do presidente da ANMP é a que se refere à relação transferências do OE/Receitas provenientes da construção. O presidente da CMV não disse, mas não será difícil perceber, que no subconsciente de muitos autarcas, o anúncio de no futuro as autarquias poderem licenciar construções em áreas protegidas pela REN lhes proporcionará alcançar o almejado objectivo de aumentarem as receitas municipais com verbas oriundas de favores emergentes de bondosas interpretações dos textos legislativos. Tem sido assim na gestão dos PDM’s. Por que razão haverá de ser diferente no âmbito da futura lei da REN? Então não é exuberantemente conhecida a regra que na administração pública tudo deve ser difícil e pouco transparente. para que a corrupção possa sobreviver e alimentar-se à tripa forra? Haverá dúvidas que a nova REN vai ser um excelente instrumento nas mãos de decisores políticos, pouco ou nada interessados que o desordenamento do território nacional sofra mais uns tantos impulsos? Claro que não! As asneiras que se cometam, mais tarde surgirá quem as denuncie e mande corrigir à custa dos impostos dos portugueses. Temos dúvidas? Puxemos a bobine do filme para trás e observemos: o prédio Coutinho em Viana do Castelo; as torres em Ofir, as construções na orla marítima, a construção/não construção nos terrenos do Parque da Cidade do Porto, etc.
São exemplos destes que nos levam a considerar como sério perigo para o cumprimento escrupuloso de legislação, diplomas que digam impedir os decisores de concederem determinadas autorizações, mas que logo as permite em certas situações. E como a construção ou não construção de imóveis depende principalmente de decisões proferidas pelas autarquias, sabendo-se que a estratégia dos autarcas não passa pela eliminação de despesas supérfluas, não se estranhará interpretações abusivas para, com base em legislação promulgada para defender a REN, usá-la em sentido oposto.
Uma outra vertente da lei que no futuro será fonte inesgotável de noticiário, é a possibilidade de se realizarem ampliações de empreendimentos turísticos. Como a futura lei é uma versão modificada de uma proposta elaborada durante o primeiro governo de António Guterres, não surpreenderá que imediatamente surjam pedidos de ampliações de pequenos empreendimentos turísticos existentes (talvez modestas pensões, residenciais, pequenos aldeamentos ou diminutos minigolfes familiares) para os transformar em imponentes unidades hoteleiras ou grandes campos de golfe, tudo em nome do desenvolvimento do País.
A PERMISSÃO DE CONSTRUIR NA REN
Não fiquem dúvidas quanto ao nosso entendimento de que a lei, ao permitir construções ligeiras em terrenos protegidos pela REN, poderá contribuir para a protecção das respectivas áreas, nomeadamente, no que se refere à redução do perigo de incêndio nas matas e florestas. O nosso receio, melhor dizendo, a nossa convicção, é que a bondade da lei vai ser usada para piorar as coisas. E nesse entendimento, vai a nossa proposta: as licenças concedidas ao abrigo das excepções previstas na nova REN fiquem dependentes do voto unânime da respectiva Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal. Tudo acrescido de que as taxas e impostos das autorizações concedidas, revertam, totalmente, para os cofres da Segurança Social, para reforço do fundo que responde pelo pagamento das pensões. Se assim for, os riscos de agravamento do desordenamento do território, serão irrelevantes.
* (alvarodesousa@sapo.pt)
Por: A. Alvaro de Sousa
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