terça-feira, 26 de julho de 2005

Gondomar assume lugar que Valongo ainda reclama

http://jn.sapo.pt/2005/07/26/grande_porto/gondomar_assume_lugar_valongo_ainda_.html


Do alto da janela, Fernando Azevedo olha, com nostalgia, para o pedaço do rio Ferreira onde, quando era "miúdo de pé descalço", deu mergulhos sem conta em dias de calor. Hoje, já ninguém lá vai. Perderam-se hábitos e a água, poluída pela falta de esgotos, não abre apetites mesmo quando o sol castiga.

A casa de Fernando Azevedo fica no alto do lugar de Ramalho, freguesia de S. Pedro da Cova (Gondomar), terra nascida, há 60 anos, mercê da vontade de alguém em erguer um lar, devagarinho, conforme os tostões que tinha. Agora, são mais de 150 as habitações que dão corpo a uma povoação tornada notícia por ter tido, anos a fio, e por delimitação territorial, dois "donos" Valongo e Gondomar.

O Instituto Geográfico Português já decidiu que, afinal, Ramalho pertence a Gondomar, cumprindo a vontade do presidente da Câmara e da maioria dos 400 habitantes da povoação. A novidade foi dada, em primeira mão, a Valentim Loureiro, no passado dia 19, que tratou de arranjar ambiente de festa para comunicar o fim da disputa de território. A festa fez-se. Anteontem à noite. "Ramalho é de Gondomar", gritou o autarca social-democrata, sabendo pisar território comunista em termos eleitorais. Bateram-se palmas. Fizeram-se promessas.

Em Valongo, porém, ninguém foi tido nem achado. "Ramalho continua a ser de Valongo", disse, ontem, ao JN, fonte da Câmara, liderada pelo também social-democrata Fernando Melo. "Se o Instituto Geográfico Português decidiu entregar o lugar a Gondomar, esqueceu-se de dizer isso a Valongo. É uma questão de cortesia que está em causa. Reclamamos Ramalho enquanto nada nos for dito", acrescentou .

Do lado de Gondomar, porém, a história está bem contada e ninguém tem dúvidas de que o lugar de Ramalho, caótico em termos urbanísticos, porque fruto de casas clandestinas com fossas sumidouras e puxadas de luz, lhe caiu na sopa territoral. Daí, até já estarem prometidas obras na rede viária, "de imediato". "Se as fizerem, a Câmara de Valongo enviará um fax à de Gondomar a agradecer a colaboração", ironizou a fonte.



Resposta de Sócrates

O curioso é que a falta de entendimentos entre os municípios foi tal que, tanto no Plano Director Municipal de Valongo como no de Gondomar, há regras para Ramalho. E ambos os documentos foram ratificados pelo Governo, situação que levou Valentim Loureiro a escrever, em 2001, ao então ministro do Ambiente, José Sócrates, a denunciar a situação e a pedir clarificação.

Volvidos quatro anos, a resposta veio do Instituto Geográfico Português Ramalho passa a ser terra de Gondomar, numa altura em que José Sócrates lidera o Governo, o que leva Valentim Loureiro a considerar a decisão demorada mas justa, até porque tem cor política diferente da do primeiro-ministro.

Ontem, em Ramalho, à volta da carrinha que Dulce Fernanda conduz há 20 anos para levar, ao lugar, todos os dias,o peixe comprado às seis da matina em Matosinhos, havia quem torcesse o nariz a "tão repentina passagem de mãos". "Há anos que nos dizemos de Gondomar, mas continuamos a ir tratar de papéis a Valongo. Vamos lá ver se é desta", argumentava Fátima Gonçalves, dona de um de dois cafés da povoação e de um de muitos imóveis erguidos ilegalmente. "Tramados com desemprego e pelo abandono já estamos há muito", ilustrou António Azevedo, homem com "muitos anos no lombo" e, por isso, "desconfiado" perante "esmolas grandes".

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