segunda-feira, 10 de março de 2008

“O Leça fundiu-se com o lixo” (entrevista ao vereador do Ambiente)

http://www.oprimeirodejaneiro.pt/?op=artigo&sec=eccbc87e4b5ce2fe28308fd9f2a7baf3&subsec=&id=42a99df7ffe1fbedb2fe68ba9123ed5d


Que o Leça estava poluído era uma realidade da qual ninguém duvidava. Mas o projecto de despoluição da Câmara de Valongo mostrou que há, de facto, toneladas de lixo e muito trabalho a fazer. José Luís Pinto, vereador do Ambiente, em entrevista ao JANEIRO, fez um balanço.


Isabel Rodrigues Monteiro (textos)
Pedro Tavares (fotos)

Fevereiro de 2007 marcou o pontapé de saída da Câmara de Valongo para a despoluição do Rio Leça, nos oito quilómetros que atravessam o concelho, nomeadamente nas freguesias de Ermesinde e Alfena. Quase um ano depois do início das operações de limpeza, a diferença no aspecto das margens e até da qualidade da água já é notória, pelo menos nos cinco troços intervencionados. José Luís Pinto, vereador do Ambiente, em entrevista ao JANEIRO, deu nota dos resultados já obtidos e dos passos seguintes.
Não obstante os resultados já alcançados, José Luís Pinto fala com algumas cautelas até porque, como ressalvou, não é possível controlar as descargas ilegais. “A olho nu é possível claramente ver o trabalho no rio porque as zonas de intervenção são notórias, não têm tanta vegetação, estão mais limpas e a nível da qualidade da água já se nota alguma diferença”, afirmou, frisando que “sinceramente, nesta fase, ainda não é visualmente notável”. Afirmando que as pessoas que moram junto ao rio dizem frequentemente que o rio está muito mais limpo, o autarca ressalva que a melhoria constatada às vezes “pode ser casual porque pode haver descargas que são pontuais e que poluem o rio durante um dia”. Por exemplo, revelou, o último incidente ocorreu na última semana de Fevereiro na zona da Bela, em Ermesinde, tendo sido impossível detectar a fonte poluidora. Esta descarga tal como muitas outras foi denunciada pela população para a linha verde do projecto «Corrente Rio Leça». No entanto, os resultados são já medíveis pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e Faculdade de Ciências da UP.

Saber quem polui o rio
Incansável na defesa do projecto, o autarca defende que uma das vantagens do projecto é a possibilidade de saber rigorosamente quem polui o rio. Actualmente, diz, mais de 90 por cento da poluição em Ermesinde e Alfena é provocada pela população e não por fábricas. Na maioria dos casos trata-se de saneamento mal feito.
Os últimos dados disponíveis, referentes a Novembro de 2007, referem que foram realizadas 4004 vistorias a habitações, num universo total de 24 mil, tendo-se detectado que 1526 estavam incorrectamente ligadas, 2335 estavam correctamente ligadas, mas 143 não estavam ligadas. Importa explicar que estas últimas situações não ocorrem por falta de existência de ramal de saneamento, salientando o autarca que a rede de cobertura é de praticamente 100 por cento. José Luís Pinto explica igualmente que ao abrigo deste projecto há incentivos e descontos, condições especiais para a ligação. Até Novembro foi possível corrigir 223 situações.

Equipas bem recebidas
As vistorias prosseguem e, de uma forma geral, as equipas de trabalho são bem recebidas. Foi também produzido um inquérito de auto-diagnóstico, cujo preenchimento permitirá que cada pessoa faça um teste para verificar se a sua habitação está, ou não, a poluir o rio. Ao preencher e devolver o inquérito à Águas de Valongo, os participantes habilitam-se ao sorteio de viagens. José Luís Pinto explica que mesmo quando não há resposta ao inquérito, os serviços efectuam a visita, vistoriando as ligações. Quando os utentes recusam regularizar a situação há penalizações que são aplicadas, havendo já neste momento alguns processos de contra-ordenações.

Limpeza contínua
Os trabalhos de limpeza começaram em Abril do ano passado e realizaram-se ininterruptamente até Novembro. Dos cinco troços foram retiradas das margens e do leito 495 toneladas de resíduos verdes, 177,5 toneladas de resíduos indiferenciados, 128 pneus e 940 quilos de sucata. A despoluição do Leça é considerada pelo vereador como “uma lição”, uma vez que ninguém sabia muito bem da dimensão da poluição nem do trabalho que teria de ser realizado. “O trabalho de despoluição é muito rendilhado”, diz, frisando que “não há nenhum processo que se aplique e que diga que já está despoluído. É casa a casa”. Todos os sábados, as equipas de limpeza do projecto contaram com a ajuda de voluntários, sendo presença assídua um grupo de quatro jovens da Igreja Mórmon, vulgarmente conhecidos por Elder. Numa destas acções de sensibilização, releva, foram encontradas duas lontras num dos troços em Ermesinde.
Durante as operações de limpeza, como referido, foram encontrados todos os tipos de lixo. Aliás, José Luís Pinto tem uma afirmação que resume bem o resultado: “O Leça fundiu-se com o lixo”. A colaboração das faculdades tem sido fundamental, uma vez que de onde saiu o lixo ficaram vazios onde se formam pequenos remoinhos e existe vegetação que não deve ser retirada. Segundo o autarca, na limpeza das margens o corte da vegetação está a ser devidamente acompanhada, até porque muitas das plantas são essenciais na despoluição do rio.

Operações de limpeza
retomadas em Abril
As
operações de limpeza estão suspensas desde Novembro, fim da primeira fase, mas serão retomadas já em Abril, nos quatro troços que faltam, em ambas as freguesias. Também para breve estará a instalação de um equipamento na entrada do rio Leça, no concelho de Valongo, que permitirá a leitura on-line dos nutrientes do rio e da própria poluição. Conforme adiantou o autarca, o mini-monitor idealizado pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, comunicará os resultados em tempo real. “Este projecto, sem custos directos para o município, trouxe muitas coisas novas”, frisou.

Serão três anos de projecto, sempre a seguir a mesma metodologia. Mas José Luís Pinto ressalva que “em termos teóricos o rio nunca estará completamente despoluído, porque mesmo que se consiga corrigir a totalidade das situações, depois há sempre algumas que vão voltar a poluir porque ou mudam de casa ou mudam uma ligação”. “Nesta fase temos de ser realistas”, disse, realçando que “estamos na fase de fazer trabalho, de melhorar significativamente a qualidade da água, para depois irmos a outro tipo de intervenções”. Fazendo leitura crua dos dados, conclui que 40 por cento das casas estão mal. “Se ao final de três anos tivermos 10 por cento é uma grande melhoria na qualidade do rio. Já vai estar praticamente limpo e já não vai cheirar mal. Se chegarmos a 70 ou 80 por cento de despoluição já não é mau”, considerou, lembrando que “depois acaba o mandato e não sabemos”. Não obstante a afirmação, defende que “este projecto não pode ser político”, apesar de correr esse risco.

Moratória
à requalificação
Sobre a vantagem de avançar com a despoluição sem esse esforço ser acompanhado dos restantes três municípios que fazem parte da bacia do Leça, o autarca frisa que no caso da despoluição cada um tem de fazer o seu trabalho. Aliás, lembra que se estivessem à espera do projecto da Junta Metropolitana do Porto (JMP) “ainda não tínhamos feito nada”. “As pessoas pensavam que estávamos a fazer isto de forma unilateral e que precisávamos dos outros, mas o que estamos a fazer é a despoluição do nosso concelho. Entre eu começar agora e os outros daqui a três anos ou todos daqui a três anos, é melhor eu começar agora”, defende. Feito o trabalho de despoluição, José Luís Pinto defende que a requalificação do rio e das margens deve ser feita em simultâneo pelos quatro municípios, uma vez que mexe com o próprio caudal. Aliás, diz, devia sair uma moratória a impedir que as câmaras mexessem nos rios sem estar o projecto concluído. A Câmara de Valongo está, porém, a preparar tudo para o futuro, tendo idealizado o Plano de Urbanização do Centro Cívico de Alfena que vai desde S. Bartolomeu até à Rua de Cabeda, e daí até Ermesinde, o Plano de Urbanização de Vilar/Bela.
O projecto de limpeza do Rio Leça está também na Internet, no site www.correnterioleca.com, disponível desde Maio deste ano. O website revela os objectivos, acções concretas, datas de realização e os avanços do projecto.
----------------

Requalificação “oportunidade a nãoperder”
Parque da Socer abre no próximo ano
A possibilidade de ver requalificada as margens do rio Leça em Ermesinde, junto à Travagem, foi uma oportunidade que a Câmara de Valongo não quis perder. O chamado parque Socer deve estar concluído dentro de um ano.
Em meados de Março do próximo ano deverá estar concluído o primeiro parque público que permitirá usufruir das margens do Leça, na freguesia de Ermesinde. O parque está instalado numa zona já intervencionada.
Apesar de defender que a requalificação das margens deve ser feita em conjunto por todas as autarquias e até defender a existência de uma moratória, José Luís Pinto realçou ao JANEIRO que tem de “ser pragmático e não perder as oportunidades que existem”. Por isso, e no âmbito de um projecto imobiliário previsto para a zona da Travagem, em Ermesinde, surgiu a oportunidade de arranjar a envolvente do rio Leça e até de criar as condições para um parque lúdico e de lazer, instalando alguns equipamentos para usufruto da população. José Luís Pinto recordou que o projecto, do promotor Socer, que estava já licenciado previa inicialmente uma construção densa e muito próxima do rio.”Estava de costas para o Leça, que foi assim que cresceu Ermesinde”, frisou, explicando que houve negociações com o promotor, que tinha a obrigação de dar à câmara mais de 20 mil metros quadrados, e conseguiu-se a alteração do projecto. Assim, em vez da construção em altura passou-se para a construção de vivendas para o segmento médio/ alto, o afastamento da urbanização do rio em cerca de sete metros e a concentração de 18 mil metros quadrados (área cedida à autarquia) junto ao rio. Nessa área, o promotor comprometeu-se a arranjar conforme projecto da autarquia, que aí quis instalar então um parque de lazer. Em termos de área, refira-se, é maior do que o Parque Urbano de Ermesinde. O espaço vai abranger as duas margens do rio, estando já construída a ponte sobre o Leça. Para ali estão previstos equipamentos como um circuito de manutenção, um parque infantil, um parque de jogos radicais e um polidesportivo em relva sintética. Será ainda colocado mobiliário urbano, como papeleiras e bancos. Para o mesmo local está também prevista a recuperação e requalificação de um antigo moinho. Este espaço foi atribuído ao Centro Social de Ermesinde que ali deverá instalar, segundo consta, um restaurante. O Parque Socer, como é designado, terá então uma área de cerca de 18 mil metros quadrados, acompanhando o rio ao longo de cerca de 350 metros.
O parque de lazer foi também alvo de um projecto paisagístico, tendo ficado a cargo de Cristina Marques, arquitecta paisagista. Na altura da apresentação do parque, em Março do ano passado, Cristina Marques defendeu uma intervenção sustentável e a promoção da biodiversidade, tendo escolhido para as margens a plantação de amieiros, árvore que atinge uma altura máxima de 35 metros e que é muito comum nas margens dos rios. Tílias, freixos, carvalhos, choupos e loureiros foram outras das espécies escolhidas.

Parque de S. Bartolomeu
Outro local nas margens do Leça e que pode já ser usufruído pela população é o Parque de S. Bartolomeu, em Alfena. Este parque havia já sido alvo de uma requalificação há alguns anos, estando neste momento a ser recuperada a ponte romana existente no local e que continuava a ser usada como ponto de passagem pelos munícipes. Neste local, onde também o rio já foi alvo de limpeza, o Leça corre transparente, sendo visível o fundo e peixes. Actualmente, a Câmara de Valongo está a proceder ao arranjo também da estrutura que restava do moinho local. Tendo em conta a degradação a que estava votado, foi possível aproveitar parte do esqueleto do moinho e instalar uma estrutura em vidro, onde ficará a funcionar um pequeno café, servindo de apoio ao parque que já é muito procurado no Verão por famílias que ali passam o dia.
José Luís Pinto afirmou ao JANEIRO que a câmara tem em planeamento mais dois ou três projectos para implantar no futuro, deixando tudo preparado para o próximo executivo.


-----------------

Ribeira da Gandra candidata ao QREN
A Câmara Municipal de Valongo, no âmbito da Junta Metropolitana do Porto, vai candidatar ao Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) a despoluição da Ribeira da Gandra, que atravessa este lugar de Ermesinde entubada em toda a extensão. O lugar da Gandra é, porventura, o local mais denso da cidade em termos populacionais. A ribeira da Gandra era uma das prioridades do projecto Corrente Rio Leça, pelo elevado caudal de águas residuais não tratadas que lança actualmente no rio mas já em terras maiatas, mas, como explicou José Luís Pinto, a despoluição não será feita por agora. O obstáculo é o investimento que teria de ser feito, uma vez que a ribeira está entubada em toda a sua extensão e corre por debaixo de centenas de habitações. Tendo em conta o valor necessário, a autarquia decidiu elaborar um projecto e candidatar-se às verbas do QREN. “Ninguém vê a ribeira da Gandra porque está completamente entubada por baixo de toda a zona da Gandra e é uma grande poluidora do rio Leça, apesar de não poluir em Valongo”, afirmou, explicando que “apesar de ser provocada quase toda em Valongo, vai ter ao Leça meia dúzia de metros na Maia”. “É um projecto muito complexo, porque ao contrário de todas as ribeiras que entram neste projecto estamos a limpar, mas esta não. É preciso entrar, furar o chão, entrar e trabalhar lá dentro. É preciso meios muito avançados”, explicou. Não obstante o adiamento da limpeza propriamente dita, as equipas da «Corrente Rio Leça» estão já a efectuar as vistorias em todas as casas do lugar da Gandra, procurando garantir que as eventuais incorrecções sejam ultrapassadas e que a poluição da ribeira, e consequentemente do Leça, diminua.

Sem comentários: