quinta-feira, 8 de maio de 2008

Portugal tem meio milhão de casas vagas, a maioria na Região Norte

Plano Estratégico de Habitação é entregue hoje aos municípios Reabilitação e arrendamento

Em Portugal, o peso da reabilitação de edifícios é de apenas quatro por cento, enquanto na Europa atinge os 40 por cento. O Plano Estratégico de Habitação, entregue hoje aos municípios, quer mudar esta realidade, apostando forte na recuperação e no arrendamento.
Pedro Tavares (foto)

O Plano Estratégico de Habitação vai apostar forte no arrendamento e na reabilitação, em detrimento da construção de casas novas, segundo as propostas técnicas a que a Lusa teve acesso. As recomendações da equipa técnica que está a elaborar o plano, que serão apresentadas hoje aos municípios, consideram igualmente a parceria público-privada “indissociável” das políticas de habitação e apontam a necessidade de ajustar a oferta à procura de casas, aproveitando melhor o stock habitacional existente.
Os responsáveis pelo documento já tinham apresentado em Outubro um diagnóstico que apontava para a existência de cerca de 1,6 milhões de fogos a precisar de pequenas e médias reparações e definia como prioridade o realojamento de mais de 160 famílias a viverem em casas sem condições de habitabilidade. A sobrelotação de casas (mais de meio milhão) e a existência de famílias alojadas em situações precárias foram os elementos que permitiram aos técnicos concluir pela necessidade de 200 mil fogos em Portugal e de obras em 190 mil.
“O diagnóstico é assustador. Em Portugal o peso da reabilitação de edifícios é de apenas quatro por cento, enquanto noutros países europeus ela atinge os 40 por cento”, reconheceu Nuno Vasconcelos, presidente do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU). O responsável sublinhou ainda a “mudança de paradigma” neste programa estratégico: “Há uma alteração significativa, pois passa-se de um grande peso da construção para um maior investimento na reabilitação, com a aposta nas parcerias público-privadas, e no arrendamento, que é essencial para a mobilidade”.
“Este não é um documento fechado. É um conjunto de sugestões de uma equipa técnica independente que agora entra em fase de discussão pública, que começa pelas autarquias”, afirmou. Nuno Vasconcelos considerou ainda as autarquias como “um parceiro essencial” na área da habitação, devido à importância dos Programas Locais de Habitação, “que podem trazer maior coordenação e uma visão mais global, contribuindo para uma política mais consistente”.
Os técnicos propõem uma “mudança de rumo” na forma como são equacionadas as políticas de habitação, privilegiando o regime de arrendamento, no mercado público ou privado, e aproveitando as sinergias do mercado privado no que respeita à aquisição de alojamentos, reabilitação e arrendamento destinados a populações com mais baixos recursos.
Sugerem ainda a aquisição pública de imóveis para arrendamento a famílias de baixos recursos e, para dinamizar o mercado do arrendamento, o recurso a uma bolsa de habitação (a criar) regional que articule proprietários e arrendatários.
Apontam igualmente para uma maior responsabilização dos inquilinos quanto à conservação das habitações e dos espaços comuns dos edifícios.
No diagnóstico da situação habitacional portuguesa, a equipa técnica aponta algumas falhas ao Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), nomeadamente o atraso na sua concretização e “desajustamentos de alguns aspectos”, sem pormenorizar, e propõem a reavaliação e monitorização do programa.
Na área da reabilitação, ganham força os processos de renovação ou regeneração de áreas peri-urbanas onde os problemas de degradação não residem apenas nas habitações, mas envolvem igualmente as condições sociais e do ambiente urbano, à semelhança do programa Bairros Críticos, que abrange a Cova da Moura (Amadora), Vale da Amoreira (Moita) e Lagarteiro (Porto).
Os técnicos sugerem igualmente uma hierarquização das prioridades na reabilitação do parque habitacional público, face à degradação existente, e defendem que a recuperação destas casas deverá estar integrada numa estratégia global dos Programas Locais de Habitação, que definirão as prioridades dos municípios nesta área.
Segundo as recomendações técnicas, os municípios deverão preferencialmente organizar-se em associações ou empresas inter-municipais para elaborar estes programas, que fixarão objectivos para um período de tempo determinado. A existência destes programas passará a funcionar como critério de prioridade para os financiamentos públicos e os técnicos sugerem que progressivamente deverá ser estudada a possibilidade de organização de um sistema de elegibilidade de âmbito nacional para garantir equilíbrio e justiça na distribuição dos recursos.
É ainda proposto uma maior vigilância das políticas de habitação e dos seus impactes, trabalho que caberá ao IHRU, através do Observatório da Habitação e Reabilitação Urbana.
Encontrar as mais adequadas soluções habitacionais a custos controlados, bem como de reabilitação e qualificação do parque habitacional existente e de reanimação do mercado de arrendamento são outros dos objectivos do Observatório.
As sugestões foram elaboradas por uma equipa técnica com especialistas do Instituto Superior de Ciências do trabalho e da Empresa (ISCTE), da Universidade do Porto/IRIC e do IHRU. O documento entrará agora em debate público e só depois será definido o documento final do primeiro Plano Estratégico de Habitação, que traçará as prioridades da política habitacional em Portugal até 2013.
“Haverá mais fóruns de discussão depois deste, sobretudo para sensibilizar todos os parceiros. O nosso desejo é ter o processo concluído até final do ano, mas não vamos condicionar a discussão com datas”, afirmou o presidente do IHRU.
Além de defender uma maior distinção entre as políticas de habitação e as políticas sociais, apoiando em função das necessidades concretas de cada família, a estratégia de habitação proposta para o período 2008/2013 favorece a mobilidade geográfica e profissional, procurando soluções mais flexíveis ao nível da habitação e valorizando as melhores formas de integração urbanística.

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Contas do rendimento
De acordo com os cálculos efectuados pelos técnicos, um rendimento anual bruto de 13.859 euros é o mínimo que permite o acesso ao mercado privado. Segundo estes pressupostos, uma família que ganhe por mês o equivalente a dois salários mínimos nacionais (SMN) consegue comprar uma habitação na maioria das NUTS III do país. Ao contrário, o acesso à compra de habitação na maioria dos concelhos da Área Metropolitana de Lisboa está vedado às famílias que não tenham mais do que dois SMN. O concelho de Lisboa e os concelhos vizinhos da margem Norte ocupam os lugares cimeiros no ranking: o “limiar de acessibilidade” em Cascais é 3,3 SMN, seguido de Lisboa (três SMN), Oeiras (2,9) e Odivelas (2,6). Sobre o endividamento das famílias, os técnicos consideram que apesar de Portugal estar entre os países da UE15 com maior peso do endividamento dos particulares, os níveis de incumprimento no crédito à habitação ficam aquém dos da maioria dos países europeus.

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Limiar de acessibilidade
Os técnicos que estão a elaborar o Plano Estratégico de Habitação propõem fixar um limite de rendimento anual a partir do qual as famílias ficam fora das políticas de habitação porque podem comprar casa no mercado privado. De acordo com as propostas, este “limiar de acessibilidade” ao mercado de habitação ajudará a concretizar uma política de habitação “que privilegie os grupos com menores rendimentos”. Tendo em conta as diversas variáveis a considerar neste cálculo e a diversidade de preços das habitações em Portugal (o preço do metro quadrado em Lisboa é o dobro do praticado na serra da Estrela), os técnicos propõem limites a nível regional e municipal.

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